(ou pequena crise existencial)
Posso ter tudo. E posso não ter nada. Já não sou quem eu era e não sei quem vou ser. É o pequeno momento em que se perde tudo e se ganha para sempre algo novo. É o momento de sermos reis na nossa própria vida e de prestarmos vassalagem a mais qualquer coisa. Por nós.
Malditos 23 anos que nunca mais passam. Malditos 23 anos que depois de passar, não voltam. Estes, e os 22 que já ficaram atrás.
... vou ao meu hi5 só para me lembrar da minha idade.
... vejo o meu primo no seu primeiro computador, com o Windows Vista, e me lembro que o meu primeiro computador tinha o MS-DOS.
... reparo que já passaram quase tantos anos desde que saí das Guias como os que lá andei.
... dou por mim a almoçar peixe num restaurante, de livre vontade.
... converso sobre o preço do leite.
... leio o jornal ao pequeno-almoço, no café.
... e a empregada de balcão me deseja um bom dia de trabalho.
... espero impacientemente pelo fim-de-semana.
... tenho de escrever post-its para me lembrar das coisas.
... vejo os Morangos com Açúcar só para me manter actualizada
... e concluo que as roupas de hoje em dia são horrorosas!
1.º
Cheguei a casa há 38 minutos.
2.º
Pois finalmente encontrei alguém mais perfeccionista do que eu.
3.º
A chatice é que é o meu "chefe".
Pelos motivos enunciados e pelos demais de Direito requer a V. Exa. se digne mandar citar-me para não me queixar porque fui eu quem escolheu e se comprometeu com dois trabalhos ao mesmo tempo.
Pede deferimento,
A advogada Estagiária
Eu
Junta: 1 dor de cabeça, 2 dores de pés e uma quantidade enorme de informação para processar.
"C. é uma pessoa que gosta muito da sua liberdade e independência. É bastante ciumenta, mas muito sincera ao amor e aos amigos. Gosta de obter conhecimentos e de usá-los para poder convencer os outros a agir como ela acha certo. É muito aventureira e por isso tende a viajar muito e a conhecer muita gente. Profissionalmente é muito responsável, com sentido imaginativo e sensível. Cria o seu mundo e vive muito nele."
Digam lá se não tiveram pontaria quando me escolheram o nome?
... Porque é que é, depois de tudo, me sinto assim?
Com este sentimento de missão não cumprida...
Com este sentimento de expectativas goradas...
Com este sentimento de falhanço...
Cansada. Farta e sem coragem. O estatuto das pessoas colectivas tira a boa disposição a qualquer um e o Harry Potter está ali ao lado desde as 00.24h. À espera de um momento de pura diversão que uma história infantil (ou não assim tão infantil) nos pode dar.
Nunca o fim esteve tão perto (não do Harry Potter, mas do curso, embora do Harry Potter também) mas não encontro vontade para o Mundo demasiado real do Direito (ou demasiado surreal, a doutrina diverge). Os livres permanecem fechados em cima da secretária. Ficam sempre bem lá. E ainda não sei o que é uma fraude à jurisdição competente. Nem tenho vontade. Estou cansada demais para isso e morrer na praia é algo que me parece muito próximo. Já me fartei de nadar em vão.
Visto-me com o estado de espírito de um condenado, no corredor da morte, a horas de encontrar a cadeira eléctrica. Cada passo é dado com o cuidado que lhe é devido. A camisa engomada, que nunca fica direita à primeira. Os sapatos calçados com todo a atenção. O casaco, já demasiado apertado, e o toque final com um colar daqueles que revelam o meu gosto pessoal. O ritual que segui durante cinco longos anos e que ainda não pode chegar ao fim. O ritual que vou repetir - literalmente - pela vigéssima terceira vez e que, no mínimo, será repetido mais uma vez.
Depois do casaco vestido, só me resta erguer a cabeça e enfrentar o corredor. Tentar não custa. E as feridas hão-de sarar um dia.